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segunda-feira, 14 de outubro de 2019

A roça também constrói saber: Professor Charles Maycon apresenta a força e importância de sua pesquisa de Doutorado em entrevista.



“Desenvolver um estudo que reposiciona as escolas da roça com espaço de vida e de potência para uma formação social e política de comunidades rurais que, ao longo dos tempos, não tinha visibilidade e sempre ficou às margens das políticas públicas de educação, é de grande valor, pois a negação dos espaços rurais como espaço de vida sempre permeou os ideários de grupos hegemônicos e foi sendo disseminado até mesmo por quem habita esses espaços”(MOTA,2019, trecho da entrevista).
         O contexto, no que diz respeito ao desenvolvimento e avanço de pesquisas no país, não é dos melhores e mais louváveis, bem como sabemos. Contudo, a coragem e o prazer pelo alcance do saber, do conhecer que, de algum modo, é quase inato ao humano, faz com que muitos/as estudiosos/as enfrentem toda esta onda de descaso educacional que o país atravessa.
Um desses estudiosos é o Professor Municipal e Doutorando, Charles Maycon, cuja pesquisa lhe rendeu a publicação de sete trabalhos científicos publicados em revistas da área de educação que circulam nacional e internacionalmente. Além dessas, destacam-se essas duas relevantes obras em formato de livro. As mesmas possuem um engrandecedor e profundo compromisso com o desenvolvimento do saber, do fazer pedagógico na cidade de Várzea do Poço, cidade onde Charles reside e, para além do município, tem tido um alcance reconhecido no cenário nacional e mundial, uma vez que o Professor Charles tem apresentado sua pesquisa em várias regiões do país e fora do mesmo, como foi o caso de Portugal, no recente ano.
Nesta breve entrevista, Charles nos apresenta o quanto sua pesquisa tem, para além de um compromisso acadêmico, uma relação muito íntima com o desenvolvimento humano e educacional dos sujeitos de Várzea do Poço e, por que não dizer, do nosso país.

Entrevistador: O que o levou a pesquisar acerca deste tema?
Charles Maycon: Essa temática sempre foi de muito valor para mim, pois tem uma grande ligação com meus contextos de vida e trajetória de escolarização-formação-profissão. Sempre tive uma relação de afeto com as pessoas da roça e também com este espaço ao longo de minha vida. Sempre presenciei situações de preconceito e estigmas para com as pessoas que moravam nesse espaço e que vinham estudar nas escolas da cidade. Logo quando iniciei na docência, desenvolvendo meu trabalho como professor nas Séries Finais do Ensino Fundamental comecei a perceber que existia uma separação entre quem vinha das escolas da roça e quem era das escolas da cidade. Essa situação se apresentava de maneira muito forte e fazia com que os adolescentes negassem suas raízes e passassem a se envergonharem por ser quem eram e morar onde moravam. Isso passou a chamar minha atenção e se reforçou quando professores e professoras de classes multisseriadas passaram a encaminhar estudantes para o acompanhamento pedagógico comigo e com minha colega Elizelma, pois nós dois somos responsáveis por acompanhamentos de crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem em nosso município. Esse número de crianças oriundas das escolas da roça se apresentou para nós como um chamado para pensar o que poderia estar acontecendo com a compreensão desses docentes a respeito das diferenças, já que a maior parte dessas crianças encaminhadas se encontravam em sua série conforme a idade requerida pela legislação que institui o Ensino Fundamental em 9 anos. Sendo assim, passei a desenvolver o estudo que originou nessa publicação.  

Entrevistador: Qual a importância deste tema em relação a vivência social de Várzea do Poço? E, para além de Várzea do Poço, como enxergas a importância do seu estudo no cenário educacional brasileiro?
Charles Maycon: Desenvolver um estudo que reposiciona as escolas da roça com espaço de vida e de potência para uma formação social e política de comunidades rurais que, ao longo dos tempos, não tinha visibilidade e sempre ficou às margens das políticas públicas de educação, é de grande valor, pois a negação dos espaços rurais como espaço de vida sempre permeou os ideários de grupos hegemônicos e foi sendo disseminado até mesmo por quem habita esses espaços. As classes multisseriadas podem significar para nosso município e tantos outros que contam com uma população significativa que habitam os espaços rurais, possibilidade de acesso à educação como direito humano e condição de vida a partir do que uma escola pode propor para as comunidades. Cabe ressaltar que essa realidade das classes multisseriadas acontece em muitos países da Europa e, também, em países latino-americanos como possibilidade de oferecimento de educação nos espaços de vida das pessoas, pois valorizam que a escola deve compor as comunidades, de modo que, as crianças não precisam ser deslocadas para outras escolas que vivenciam outras realidades e não compreendem o que é ser e viver em territórios rurais.  

Entrevistador: O seu foco de pesquisa foi com estudantes da Zona Rural, na sua perspectiva, existe uma distinção em relação ao desenvolvimento educacional da Zona Urbana e Zona Rural? Havendo, na sua pesquisa você advoga em favor de algum tipo de mudança que seja necessária levar em consideração, no tocante ao desenrolar educacional da Zona Rural?

Charles Maycon: Esse estudo tem a colaboração de professores e professoras que moram em espaços rurais e atuam nas escolas de suas comunidades. Vale ainda ressaltar que tomo a categoria roça como uma ruralidade específica de nossa região e numa perspectiva fundamentada pelos estudos da Sociologia rural. Isso, porque o IBGE faz uma separação entre perímetro urbano e rural a partir de uma lógica que esvazia os sentidos do rural. Demarca vilas e povoados como espaços urbanos. Sabemos que pelos sentidos construídos a partir de nossas relações com os espaços rurais e por morarmos num município com inúmeras características desses espaços podemos repensar sobre ser da roça ou não.
Penso que não há distinção alguma entre o desenvolvimento de alunos que estudam nas escolas rurais e alunos que estudam nas escolas da cidade, o que perdura e sustenta essa lógica são nossos modos de compreender as escolas da roça a partir de parâmetros e concepções urbanocêntricas. Os modos de exercer a docência é que são distintos, já que cada espaço apresenta suas particularidades e o que relevância para escolas na roça ou na cidade são as necessidades de suas comunidades.
Sendo assim, proponho com minhas pesquisas maneiras outras de compreender as classes multisseriadas e os modos de viver na roça, defendendo que as escolas precisam existir nas localidades rurais como espaço social e político, bem como, lugar de acesso à educação que valorize a vida na roça e nos tragam condições de existência com dignidade humana. 

Entrevistador: Qual a relevância em relação a pesquisas neste mesmo âmbito que fizestes? Neste mesmo sentido, como você enxerga a importância da pesquisa no cenário atual brasileiro?
Charles Maycon: Considerando que há algum tempo vivenciamos o fechamento desenfreado de escolas em áreas rurais, promovendo o deslocamento de centenas de alunos de suas comunidades para escolas núcleos e escolas das cidades, desconsiderando o direito de crianças, jovens e adultos de estudarem em suas comunidades, sabendo que o nosso país é eminentemente constituído por uma grande parcela da população que habita as áreas rurais.
Conforme informações apresentadas pela coordenação de Educação do Campo – MEC em 2013, cerca de 9% dos alunos matriculados nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental no Brasil estudam em turmas multisseriadas. Alunos matriculados nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental no Brasil em 2012 foi de 16.016.030, desses alunos 1.469.152 estão em turmas multisseriadas. Podemos perceber que são esses os grandes motivos que trazem relevância para pesquisas como essa. Vale enfatizar que, pesquisadores e pesquisadoras dos Grupos de Pesquisas Docência, Narrativas e Diversidade na Educação Básica - DIVERSO e Grupo de Pesquisa (auto)biografia, Formação e História Oral - GRAFHO tem se debruçado em pesquisas que potencializem as escolas rurais como espaço de possibilidades, mostrando que os professores e professoras dessas escolas tem resistido a ausências de políticas públicas e propostas de fechamentos desses espaços em suas comunidades


Por: Paulo Roberto dos Santos da Silva.
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