“Desenvolver
um estudo que reposiciona as escolas da roça com espaço de vida e de potência
para uma formação social e política de comunidades rurais que, ao longo dos
tempos, não tinha visibilidade e sempre ficou às margens das políticas públicas
de educação, é de grande valor, pois a negação dos espaços rurais como espaço
de vida sempre permeou os ideários de grupos hegemônicos e foi sendo
disseminado até mesmo por quem habita esses espaços”(MOTA,2019, trecho da
entrevista).
O
contexto, no que diz respeito ao desenvolvimento e avanço de pesquisas no país,
não é dos melhores e mais louváveis, bem como sabemos. Contudo, a coragem e o
prazer pelo alcance do saber, do conhecer que, de algum modo, é quase inato ao
humano, faz com que muitos/as estudiosos/as enfrentem toda esta onda de descaso
educacional que o país atravessa.
Um
desses estudiosos é o Professor Municipal e Doutorando, Charles Maycon, cuja
pesquisa lhe rendeu a publicação de sete trabalhos científicos publicados em
revistas da área de educação que circulam nacional e internacionalmente. Além
dessas, destacam-se essas duas relevantes obras em formato de livro. As mesmas
possuem um engrandecedor e profundo compromisso com o desenvolvimento do saber,
do fazer pedagógico na cidade de Várzea do Poço, cidade onde Charles reside e,
para além do município, tem tido um alcance reconhecido no cenário nacional e
mundial, uma vez que o Professor Charles tem apresentado sua pesquisa em várias
regiões do país e fora do mesmo, como foi o caso de Portugal, no recente ano.
Nesta
breve entrevista, Charles nos apresenta o quanto sua pesquisa tem, para além de
um compromisso acadêmico, uma relação muito íntima com o desenvolvimento humano
e educacional dos sujeitos de Várzea do Poço e, por que não dizer, do nosso
país.
Entrevistador:
O que o levou a pesquisar acerca deste tema?
Charles Maycon: Essa temática sempre foi de muito valor para mim, pois tem uma
grande ligação com meus contextos de vida e trajetória de
escolarização-formação-profissão. Sempre tive uma relação de afeto com as
pessoas da roça e também com este espaço ao longo de minha vida. Sempre
presenciei situações de preconceito e estigmas para com as pessoas que moravam
nesse espaço e que vinham estudar nas escolas da cidade. Logo quando iniciei na
docência, desenvolvendo meu trabalho como professor nas Séries Finais do Ensino
Fundamental comecei a perceber que existia uma separação entre quem vinha das
escolas da roça e quem era das escolas da cidade. Essa situação se apresentava
de maneira muito forte e fazia com que os adolescentes negassem suas raízes e
passassem a se envergonharem por ser quem eram e morar onde moravam. Isso
passou a chamar minha atenção e se reforçou quando professores e professoras de
classes multisseriadas passaram a encaminhar estudantes para o acompanhamento
pedagógico comigo e com minha colega Elizelma, pois nós dois somos responsáveis
por acompanhamentos de crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem
em nosso município. Esse número de crianças oriundas das escolas da roça se
apresentou para nós como um chamado para pensar o que poderia estar acontecendo
com a compreensão desses docentes a respeito das diferenças, já que a maior
parte dessas crianças encaminhadas se encontravam em sua série conforme a idade
requerida pela legislação que institui o Ensino Fundamental em 9 anos. Sendo
assim, passei a desenvolver o estudo que originou nessa publicação.
Entrevistador:
Qual a importância deste tema em relação a vivência social de Várzea do Poço?
E, para além de Várzea do Poço, como enxergas a importância do seu estudo no cenário
educacional brasileiro?
Charles Maycon: Desenvolver um estudo que reposiciona as escolas da roça com
espaço de vida e de potência para uma formação social e política de comunidades
rurais que, ao longo dos tempos, não tinha visibilidade e sempre ficou às
margens das políticas públicas de educação, é de grande valor, pois a negação
dos espaços rurais como espaço de vida sempre permeou os ideários de grupos
hegemônicos e foi sendo disseminado até mesmo por quem habita esses espaços. As
classes multisseriadas podem significar para nosso município e tantos outros
que contam com uma população significativa que habitam os espaços rurais,
possibilidade de acesso à educação como direito humano e condição de vida a
partir do que uma escola pode propor para as comunidades. Cabe ressaltar que
essa realidade das classes multisseriadas acontece em muitos países da Europa
e, também, em países latino-americanos como possibilidade de oferecimento de
educação nos espaços de vida das pessoas, pois valorizam que a escola deve compor
as comunidades, de modo que, as crianças não precisam ser deslocadas para
outras escolas que vivenciam outras realidades e não compreendem o que é ser e
viver em territórios rurais.
Entrevistador:
O seu foco de pesquisa foi com estudantes da Zona Rural, na sua perspectiva,
existe uma distinção em relação ao desenvolvimento educacional da Zona Urbana e
Zona Rural? Havendo, na sua pesquisa você advoga em favor de algum tipo de
mudança que seja necessária levar em consideração, no tocante ao desenrolar educacional
da Zona Rural?
Charles Maycon: Esse estudo tem a colaboração de professores e professoras que
moram em espaços rurais e atuam nas escolas de suas comunidades. Vale ainda
ressaltar que tomo a categoria roça como uma ruralidade específica de nossa
região e numa perspectiva fundamentada pelos estudos da Sociologia rural. Isso,
porque o IBGE faz uma separação entre perímetro urbano e rural a partir de uma
lógica que esvazia os sentidos do rural. Demarca vilas e povoados como espaços
urbanos. Sabemos que pelos sentidos construídos a partir de nossas relações com
os espaços rurais e por morarmos num município com inúmeras características
desses espaços podemos repensar sobre ser da roça ou não.
Penso que
não há distinção alguma entre o desenvolvimento de alunos que estudam nas
escolas rurais e alunos que estudam nas escolas da cidade, o que perdura e
sustenta essa lógica são nossos modos de compreender as escolas da roça a
partir de parâmetros e concepções urbanocêntricas. Os modos de exercer a
docência é que são distintos, já que cada espaço apresenta suas
particularidades e o que relevância para escolas na roça ou na cidade são as
necessidades de suas comunidades.
Sendo
assim, proponho com minhas pesquisas maneiras outras de compreender as classes
multisseriadas e os modos de viver na roça, defendendo que as escolas precisam
existir nas localidades rurais como espaço social e político, bem como, lugar
de acesso à educação que valorize a vida na roça e nos tragam condições de
existência com dignidade humana.
Entrevistador:
Qual a relevância em relação a pesquisas neste mesmo âmbito que fizestes? Neste
mesmo sentido, como você enxerga a importância da pesquisa no cenário atual
brasileiro?
Charles Maycon: Considerando que há algum tempo vivenciamos o fechamento
desenfreado de escolas em áreas rurais, promovendo o deslocamento de centenas
de alunos de suas comunidades para escolas núcleos e escolas das cidades,
desconsiderando o direito de crianças, jovens e adultos de estudarem em suas
comunidades, sabendo que o nosso país é eminentemente constituído por uma
grande parcela da população que habita as áreas rurais.
Conforme
informações apresentadas pela coordenação de Educação do Campo – MEC em 2013,
cerca de 9% dos alunos matriculados nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental no
Brasil estudam em turmas multisseriadas. Alunos matriculados nos Anos Iniciais
do Ensino Fundamental no Brasil em 2012 foi de 16.016.030, desses alunos
1.469.152 estão em turmas multisseriadas. Podemos perceber que são esses os
grandes motivos que trazem relevância para pesquisas como essa. Vale enfatizar
que, pesquisadores e pesquisadoras dos Grupos de Pesquisas Docência, Narrativas
e Diversidade na Educação Básica - DIVERSO e Grupo de Pesquisa (auto)biografia,
Formação e História Oral - GRAFHO tem se debruçado em pesquisas que
potencializem as escolas rurais como espaço de possibilidades, mostrando que os
professores e professoras dessas escolas tem resistido a ausências de políticas
públicas e propostas de fechamentos desses espaços em suas comunidades
Por: Paulo Roberto dos Santos da Silva.
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