Por Irlan Simões
Jornalista e pesquisador do futebol
Mais uma curta temporada de quatro meses se inicia para a grande maioria dos clubes brasileiros - enquanto se pensa no calendário dos "grandes"
Rio de Janeiro
Por incrível que pareça, ainda persiste um argumento de que os atuais campeonatos estaduais são importantes para o futebol brasileiro. Uma rápida olhada em revistas e jornais antigos vai mostrar que essa ideia vem, pelo menos, lá dos anos 1970.
Não há nada de sustentável, positivo ou aproveitável dos atuais campeonatos estaduais. Da forma que estão, eles incham os calendários dos grandes clubes enquanto obrigam os menores clubes (a ampla maioria) a se contentar com pouquíssimas datas por temporada.
Isso acontece porque, elaborados para “agradar” os grandes clubes (leia-se, obrigá-los a jogar o torneio), os estaduais acabam se resumindo a poucas semanas no início do ano. Os clubes que não conseguiram uma vaga na Série D (no ano anterior) fatalmente serão obrigados a suspender suas atividades – salvo nas raras exceções de copas estaduais.
Disso, aqueles que defendem os campeonatos estaduais acabam apostando na volta da sua importância frente aos torneios nacionais – “reequilibrando” o calendário, como ocorria no passado, garantindo mais datas. Algo que só soa compreensível em três ou quatro estados do país.
O problema é que, já hoje, o campeonato estadual é muito pequeno ao mesmo tempo em que é muito importante. Ao passo em que precisa ser disputado em meras 15 datas, também é por onde clubes conquistam vagas para torneios importantíssimos como a Copa do Brasil, Copa do Nordeste e Série D – que é a principal divisão nacional para clubes de mais da metade dos estados brasileiros.
O problema é que, já hoje, o campeonato estadual é muito pequeno ao mesmo tempo em que é muito importante. Ao passo em que precisa ser disputado em meras 15 datas, também é por onde clubes conquistam vagas para torneios importantíssimos como a Copa do Brasil, Copa do Nordeste e Série D – que é a principal divisão nacional para clubes de mais da metade dos estados brasileiros.
Isso faz com que em muitas unidades federativas apenas um ou dois clubes sigam em atividade nos meses seguintes, jogando o campeonato nacional, enquanto todos os outros esperam o ano virar para jogar um novo curto e crucial campeonato estadual.
Nesse caso, os inúmeros clubes de pequenas e médias cidades, somados aos clubes antigos das capitais que com o tempo perderam relevância, que formam um mapa rico e diverso de histórias que são desperdiçadas com o atual modelo do futebol brasileiro.
Longe de representar um modelo interessante para esses clubes ("porque geram receitas"), os campeonatos estaduais na realidade estão levando-os ao ostracismo. Isso vem acontecendo há algumas décadas porque, quando conseguem alcançar a elite do certame estadual, esses clubes são obrigados a se contentar com um punhado de jogos ou com a “renda dos jogos contra os grandes” (que é cada vez menor).
Em pouquíssimos casos o campeonato estadual é capaz de render valores consideráveis de direitos de transmissão, que é onde reside a outra grande ilusão. Mesmo em São Paulo, onde clubes de base torcedora ínfima recebem mais do que todos os grandes clubes da Copa do Nordeste juntos – porque ganham a grana investida na imagem dos quatro grandes –, essa ideia de “ter dinheiro” é sempre muito relativa.
Após o término do Campeonato Paulista, sempre ocorre a tradicional "onda migratória" de jogadores para clubes de outros estados, uma vez que esses pequenos clubes (de Série B e Série C) não poderão sustentar os mesmos salários no certame nacional. É algo completamente paradoxal, mas que só preocupa um único estado do país: todo o resto tem dificuldade de render dinheiro aos participantes.
Entretanto, ainda seria preciso um espaço mínimo de realização de competições. A esfera estadual sempre será necessária para a pirâmide do futebol brasileiro, porque constitui a localidade real onde esses clubes residem.
O que o futebol brasileiro precisa é posicionar de fato esse “campeonato estadual” na pirâmide nacional. Isso quer dizer que é preciso garantir que os clubes que não estão na Série A, B, C ou D tenham um torneio de longa duração (anual, de fato) e disputado em “esfera estadual”: uma Série E.
A criação de uma Série E (sugestivamente, “E de estadual”), nesse sentido, não significa “acabar com o estadual”, mas apenas propor uma “separação da Igreja e do Estado” no futebol brasileiro. A última divisão nacional, dentro de cada federação estadual, sem surpresas, sem a participação dos “grandes”, mas com importância esportiva em si – o acesso para Série D, em uma competição de verdade.
E para isso se recomenda pensar nas mais de 23 unidades federativas que não envolvem os clubes do G12.
Separando a “Série E” do “Campeonato Estadual”, é possível até tornar o segundo algo melhor: um torneio de tiro curto, com importância histórica e simbólica, que mantenha a contagem centenária dos títulos, mas que não seja um buraco negro para os pequenos, tampouco um estorvo para os grandes.
É óbvio que toda essa especulação esbarra no modelo político que sustenta a CBF, que confere maior poder às federações estaduais – que, juntas a pouquíssimos agentes e donos de clubes-empresa, são as únicas beneficiadas desse tipo de estadual atual.
De todo modo, para não cair nos erros que persistem desde os anos 1970, é preciso parar de falar dos “campeonatos estaduais” como um problema para os clubes de massas das principais divisões nacionais.
Caso o papo comece contemplando a atual realidade desesperadora de algumas dezenas de clubes importantes considerados “pequenos” em todo o Brasil, a necessidade de alteração do atual modelo se mostrará muito mais urgente.
Agremiações históricas, algumas centenárias, estão definhando e prestes a fechar as portas (quando já não o fizeram), porque precisam ser “profissionais” com apenas 4 meses de atividade por ano. Não há nada de profissional num regime desses.
A discussão é longa. O blog voltará ao tema.
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- Irlan Simões (@irlansimoes) é autor do livro “A Produção do Clube: poder, negócio e comunidade no futebol” (2023).
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